20.2.11

"Jakub deu meia volta para regressar ao automóvel. Avistou um garoto de pé, por trás da vidraça de uma das casas. O garoto, ao qual ninguém daria mais de cinco anos, olhava através do vidro na direcção do lago. Talvez observasse os gansos, talvez o rapaz que os tocava com a ponta da vara. Estava por trás da vidraça e Jakub não conseguia tirar os olhos dele. Era um rosto infantil, mas o que cativava Jakub eram os óculos da criança. O miúdo usava uns grandes óculos, deixando adivinhando lentes grossas. A cabeça dele era pequena, os óculos grandes. O miúdo usava-os como se carregasse um fardo. Carregava-os como ao seu destino. Olhava através dos aros dos óculos como através de grades. Sim, usava os óculos como um gradeamento que tivesse de arrastar consigo toda a sua vida. E Jakub fitava os olhos do garoto através das grades dos óculos e sentia-se de repente cheio de uma grande tristeza. Foi de repente, como um rio cujas margens acabam de ceder e cujas águas se espalham pelo campo. Havia muito, muito tempo que Jakub não estava triste. Anos e anos. Conhecia apenas o azedume, a amargura, mas a tristeza não. E ei-lo agora assaltado por ela e tolhido pelo seu assalto. Via à sua frente o miúdo vestido de grades e tinha piedade dele e de todo o seu país, e pensava que tinha amado pouco esse país e estava triste por causa desse amor mau e malogrado."





- A Valsa do Adeus, Milan Kundera

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