18.11.10

a morte o amor a vida

Julguei poder quebrar a profundeza a imensidade
Pelo meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto coroado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido pelo amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue

Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem a humidade nem o vidro
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos juntas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula



Tu vieste então o fogo reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de estrelas
E a terra cobriu-se
Com a tua carne clara e eu senti-me ligeiro
Vieste a solidão estava vencida
Eu tinha um guia na terra sabia
Conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava o espaço e o tempo

Ia para ti ia sem cessar para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros dias



Os campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara a vindima têm inumeráveis testemunhos
Nada é simples nem singular
O mar está nos olhos do céu ou da noite
A floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens são feitos para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que reinventarão o fogo
Que reinventarão os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos




- Le Phénix, Paul Éluard

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